Fui fazer uma caminhada para movimentar o esqueleto.
Impressionante como uma caminhada ao acaso consegue
desanuviar o coração da gente. Deve ser por causa das endorfinas e dopaminas
liberadas pelo movimento.
Água que permanece muito tempo parada torna-se insalubre.
Fazendo analogia aos fundamentos (valores e crenças) de uma existência, podemos
imaginar quanta insalubridade não fica depositada nestes fundamentos há tanto tempo parados,
encravados nos mais profundos poços (melhor, ‘fossas’) da nossa alma.
A menos que nos prontifiquemos à realização de um
trabalho de saneamento destas fossas – este, sim, um verdadeiro trabalho de
saneamento básico – continuaremos a cultuar o distanciamento de um ser humano
para com outro ser humano.
Toda crença ou valor, toda postura ou atitude cujo
fundamento – implícito nas entrelinhas – sugere distanciar um ser humano de
outro é passível de saneamento.
O automóvel tem sido usado como um dos principais
veículos deste distanciamento, através do culto ao status.
Quanto mais caro o carro, mais raso o contato.
O carro tem sido cultuado como objeto de demonstração do
poder aquisitivo que, traduzido em linguagem do povo, significa poder
repulsivo. Poder de repelir a proximidade de um membro do povo, poder para
manter distante de si qualquer representante do povão. (Por favor, excluam-me de qualquer doutrina
sócio-econômica).
Basta ficar atento às entrelinhas das mensagens publicitárias sobre carros.
As mensagens tendem a nos transportar a lugares
distantes... longe de toda aglomeração... longe da massa informe... da massa
deformada... longe da mais vaga noção de que somos ‘Um’ com essa massa.
Apregoam a noção de que somos ‘Um’ destacados desta massa, separados
(Graças a Deus!) da loucura desta massa.
Pai, perdoe-os! Eles precisam de um transporte que traga a
ideia, ainda que falsa, de segurança; pois desconhecem suas capacidades inatas
de se transportarem a instâncias verdadeiramente seguras.
Já que estamos falando em veículos, por que não dar uma
olhadinha nas coisas que estão sendo veiculadas também?
Vejamos as notícias veiculadas
diariamente - outro estimulante do distanciamento. Nenhuma contém substância nutritiva, porque em nenhuma forma de
divulgação de notícias existe a preocupação em nutrir. Raras são ditadas por
pessoas que, por trás de seus encargos profissionais jornalísticos, deixam
transparecer uma sincera e honesta compaixão nutritiva.
Por isso, mesmo sem assistir ou ler jornais e revistas é
possível manter-se atualizado com o que há de mais crucial. Jornais e revistas
tratam apenas de fatos. O mais crucial ultrapassa a barreira dos fatos, a
barreira da colocação imparcial e impessoal dos fatos, pois o mais crucial é
que os fatos foram realizados por gente, por gente como a gente, por gente da
massa, por gente desta mesma massa que compõe o povo, que compõe o povão, desta
massa da qual somos constantemente estimulados a manter distância.
Os fatos foram realizados por gente e estão sendo
relatados por gente. Pronto. Esta é a notícia mais crucial. Gente como eu e como você.
Enquanto os fatos forem tratados como ocorrências
pertencentes a um universo distante, alheio e alhures, a minha atualização dos fatos
ficará nivelada por baixo. Será rasinha, rasinha...
À sucessão interminável de fatos precede uma sucessão de
movimentos internos em cada causador daqueles fatos. O ente causador daqueles fatos é – adivinhem! – uma pessoa, um ser humano, é
gente como eu e, como eu, sujeita aos mesmos movimentos de energias
intrínsecas.
Se eu estou atento às energias intrínsecas em mim,
estarei sempre atualizado. Arrisco-me a dizer que, além disto, estarei ciente
do que pode vir a acontecer e posso me antecipar ao fato, habilitando-me aos
“furos de reportagem” ao invés das “reportagens furadas” por meio das quais se perde a seiva nutritiva da aproximação e fica, apenas, a faceta interruptiva do
distanciamento.
LibaN RaaCh